“O nascimento nos introduz muito mais em um tempo no qual o futuro não é a consequência de um passado e no qual aquele que vem ao mundo não é dedutível do que já existe no mundo. Pelo fato de que constantemente nascem seres humanos no mundo, o tempo está sempre aberto a um novo começo: aberto à aparição de algo novo que o mundo deve ser capaz de receber, ainda que para recebê-lo tenha que ser capaz de renovar-se; aberto à vinda de algo novo ao qual o mundo deve ser capaz de colocar-se em questão.”

— Jorge Larrossa

Entendemos cada criança como um ser único que, contando com sua herança familiar e cultural, com recursos próprios e externos, é capaz de tecer seu percurso rumo à descoberta de si mesmo, de seu lugar no mundo e na humanidade. Este seu caminho é, portanto, absolutamente singular e criativo, e cada criança é autora de sua história e protagonista de seu desenvolvimento.

É a partir de suas experiências, de suas necessidades e interesses, de sua imaginação e de seus sonhos, que a criança – em encontro e relação com o mundo e pessoas que a cercam – tece laços de pertencimento que a ligam ao outro e à sua cultura. Neste percurso, ocupa seu lugar de cidadã capaz e competente, não só de compreender o mundo, mas de agir sobre ele, significá-lo e transformá-lo.

Nesse movimento, constrói a si própria, sua identidade pessoal e social, e assim pode transformar, como diz Marcos Ferreira Santos, “a humanidade de que é portador como potência, como possibilidades”. A criança, neste sentido, é uma esperança. Ao nascimento de cada criança, apresenta-se a possibilidade de descoberta de um novo mundo e de transformação da humanidade como a conhecemos.

Entendemos que este “devir”, “por vir” ou “vir a ser”, esta dimensão do ser humano como potência, não se opõe ao fato de a criança desde muito pequena já ser única e “inteira”; esta concepção se liga ao fato de ela estar experimentando, descobrindo e formando as bases de sua personalidade nestes anos iniciais, num percurso e de maneira completamente singular e enigmática.

A qualidade de seu ambiente e de suas relações são, portanto, muito importantes para que a criança possa viver suas experiências de forma própria, estabelecendo as raízes de sua personalidade em referências autênticas, fiéis a si mesma e não apenas em conformidade e em adequação ao que é esperado dela.

Se queremos que a criança possa, através de suas experiências e expressões, conhecer e desenvolver a si própria e seu papel no coletivo, esta possibilidade se ancora em relações de escuta, afeto, confiança e liberdade.

No mundo de hoje, a criança vive muitas vezes em espaços físicos restritos e num tempo fragmentado e regido de forma rígida e arbitrária, alheio ao tempo de sua experiência. Vive bombardeada de informações e estímulos, numa velocidade alucinante. Diante disto, precisamos ­— por mais paradoxal que seja — proteger e salvaguardar o seu direito de ser criança, de viver seu tempo de infância plenamente. Tempo de brincar, de experimentar o mundo, a si próprio e o outro, estabelecendo relações significativas e pessoais, criando com aquilo que lhe é dado viver. Nesse sentido, a brincadeira tem papel essencial no Projeto Político Pedagógico da Recreio.