O brincar é a linguagem essencial da criança, um gesto espontâneo de seu ser. Gesto que a coloca em relação consigo mesma, com o mundo, com as pessoas que a cercam e com a cultura e coletividade a que pertence. Brincando, a criança conhece e expressa seus interesses, seus desejos, suas preocupações e angústias, e as relações que estabelece com objetos, pessoas e com o que é conhecido e desconhecido por ela.

Na brincadeira a criança vivencia papéis, brinca com suas referências, coloca sua visão provisória sobre esse mundo, no qual ela tem voz e vez. Significar e ressignificar são palavras e ações imprescindíveis para o brincar. Nesta perspectiva entendemos a brincadeira como expressão que revela a estrutura e os conteúdos do pensamento brincante da criança, essencialmente singular e misterioso.

Como diz Winnicott, “(…)É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self).”

Na brincadeira “tudo é possível”, seu desenrolar é imprevisível e, ainda que brincando a criança aprenda e exercite suas habilidades e competências (afetivas, corporais, cognitivas e sociais) – o que muitas vezes é fonte de imenso prazer e aprendizado -, isto acontece de forma natural e integrada. O que norteia a brincadeira é o desejo da criança, sua decisão e iniciativa em fazê-lo, e geralmente a alegria e o prazer que a acompanham.

“O brincar é aqui focado como uma expressão que nasce do corpo e se prolonga em movimentos de ‘sentido’. Nada é aleatório no repertório das brincadeiras das crianças, pois elas carregam dentro de si uma memória do passado e do futuro. Sua característica de imprevisibilidade, de sonho e também de inocência e alegria, aponta para uma possibilidade nova de construção do humano”. Maria Amélia Pinho Pereira.

A brincadeira tem, portanto, uma finalidade em si e precisa de um ambiente que respeite seu tempo, sua forma e que a alimente para que o fio narrativo da brincadeira possa se desenrolar em liberdade e inteireza. A criança e seus parceiros de brincadeira são autores na construção de suas experiências, de seus enredos, e são eles que decidem e postulam as regras de seu brincar, que é, para eles e para nós, “para lá de sério”.

O brinquedo, as brincadeiras e os jogos sempre fizeram parte da infância humana e revelam uma visão essencial do que é a infância. Segundo Gilles Brougère, o brincar é “(…) uma atividade que é construída social e culturalmente em cada meio social ou cultural”.

Brincando, as crianças revisitam as bases de sua tradição cultural, o que as conecta ao coletivo, ajudando na constituição de sua identidade social e nas relações de pertencimento. Não só reproduzem cultura mas, na qualidade de sujeitos capazes e autônomos que são, têm possibilidade de renová-la, trazendo para seu brincar suas próprias leituras, percepções e significações a respeito de tudo que as cerca; contribuem assim para a renovação e a ampliação do repertório cultural disponível.

“(…) Utilizando a palavra cultura, estou pensando na tradição herdada. Estou pensando em algo que pertence ao fundo comum da humanidade, e do qual todos nós podemos fruir, se tivermos um lugar para guardar o que encontramos. Interessa-me contudo, como tema paralelo, o fato de que em nenhum campo cultural é possível ser original, exceto numa base de tradição. (…)” Winnicott.

A brincadeira, neste sentido, é uma manifestação repleta de saberes sociais e, como tal, expressa a herança da tradição infantil da qual nossas crianças são portadoras, bem como a criação cultural de que são autoras. Acreditamos, portanto, que na escola de Educação Infantil é fundamental propiciar espaço para as diversas experiências que envolvam genuínas práticas culturais.